quarta-feira, 23 de junho de 2010

ENSAIO SOBRE A DEPRESSÃO

Fazer um relato sobre a depressão sem contudo parecer alarmista, parece-me tarefa pouco satisfatória e difícil, pois o próprio estado em que uma pessoa se encontra durante os surtos depressivos, por assim dizer, já demonstram a sua gravidade. A depressão não é, como sugerem alguns, um estado meramente causado por fatores externos, posto que suas causas têm origem em alterações psíquicas e fatores internos em que pese alguma fragmentação emocional, onde os fatores externos funcionam tão somente como agentes desencadeantes. Partindo-se do pressuposto do conceito de saúde como o estado de bem estar bio-psico-social e não apenas a ausência de doença, vê-se logo que a depressão altera a bioquímica do organismo, corrói o psiquismo do indivíduo e retira-o de seu convívio social – prova cabal da doença instalada. Nota-se atualmente aumento considerável de pessoas apresentando quadros depressivos de certa monta, porém isso não significa aumento simples de casos, mas sim maior critério na avaliação e na classificação da patologia. As chamadas Síndromes Depressivas podem ser agrupadas, de acordo com sua sintomatologia, da seguinte forma: depressão endógena, involutiva, reativa, neurótica e sintomática. Entende-se síndrome depressiva endógena os quadros onde haja pré-disposição ou fatores hereditários eclodindo, de maneira geral, com ou sem problemas de desordem emocional ou social, com tendências à recidivas em qualquer momento da vida. As depressões involutivas acometem mais as pessoas da terceira idade na andropausa e na menopausa, onde existe a curva descendente da vida. Já as depressões reativas são ocasionadas por perdas afetivas de grande monta, ou de algo significativo. As depressões neuróticas manifestam-se de maneira mais suave, embora de certa gravidade, oriundas de tristeza profunda, fraqueza global e sentimentos de inferioridade. E, por fim, os quadros de depressão sintomática, que aparecem no decurso de alguma doença física – ou psíquica.

Encontramos os Transtornos do Humor, descritos na Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento da CID-10 (Classificação Internacional das Doenças), relacionando a depressão como um conjunto de sintomas observáveis clinicamente satisfazendo aos técnicos, porém pouco adiantando ao paciente encontrado exaurido no mais profundo de suas entranhas. Segundo relato de alguns pacientes, a depressão retira das pessoas a sua humanidade, transformando-as em um amontoado de sintomas ruins, indesejáveis e com sentimento de absoluta insignificância, sendo preferível a existência de uma doença física ao estado depressivo. A qualquer custo, a pessoa que apresenta um episódio recorrente de depressão quer se ver livre dele o mais rápido possível, mesmo que para isto apele para a transmutação da dor psíquica em física, numa transformação clara da dor subjetiva na dor objetiva. Falta amor, sobra autopiedade, numa demonstração constante de necessidade do afeto propiciando acalento e retomada da auto-estima, bastante rebaixada.

Ao adoecer-se fisicamente há a comprovação da existência de uma anomalia concreta, porém a doença mental causa desespero pela sua abstração, sendo a dor psíquica provavelmente a pior dentre as relatadas. Como descreve Adriano, a seu amigo Marco, “Dizer que meus dias estão contados nada significa! Assim foi sempre. E assim sempre será para todos nós. Mas a incerteza do lugar, da ocasião e do modo, incerteza que nos impede de ver distintamente esse fim para o qual avançamos inexoravelmente, diminui para mim à medida que progride minha mortal enfermidade” (Memórias de Adriano, Margherite Yourcenar), o fragmento aqui reproduzido demonstra o trato dado às enfermidades físicas, por estarem ali todo o tempo mostrando a sua cara, de maneira mais aparente (pode-se interpretar este trecho como o relato da depressão sintomática). Diferente disso, Lou Andreas-Salomé descreve em seu Hino à Morte a dor da perda, da própria vida, a seu bem amado, onde certamente habitará a dor psíquica (onde podemos associar a depressão reativa):

"No dia em que eu estiver no meu leito de morte
- Faísca que se apagou -,
Acaricia ainda uma vez mais meus cabelos
Com tua mão bem amada.
Antes que devolvam à terra
o que deve voltar à terra,
Pousa sobre minha boca que amaste
Ainda um beijo.

Mas não esqueças: no esquife estrangeiro
eu só repouso em aparência,
Porque em ti minha alma se refugiou
E agora sou toda tua."

Talvez seja esta a angústia profunda que assombra o deprimido, demonstrando claramente a necessidade de ser amado, reconhecidamente, mesmo após a sua morte, real e simbólica, pois em vida vislumbra muito pouco do que significam seus afetos. A depressão é, de certa forma, a incapacidade de amar a si mesmo e ao outro, como se nada mais pudesse haver após a sua chegada, nem existir antes dela. A depressão leva embora tudo quanto uma pessoa mais precisa preservar em si mesma: a auto-estima, o amor próprio, tudo quanto mais admira em sua vida, a alma enquanto essência.

Com os avanços da ciência, o paciente de depressão tem hoje a seu alcance uma gama muito grande de medicamentos que o coloca em sintonia com a realidade, devolvendo-lhe a sanidade e o discernimento. A escolha é importante ao depressivo, pois o simples fato de poder voltar a escolher entre duas coisas já o torna mais próximo de sua normalidade. Juntamente com a depressão, a sensação de depender do outro torna-se evidente, pois tarefas simples se agigantam impedindo sua realização, isto provoca momentânea incapacidade de decidir até mesmo o uso de uma roupa em detrimento de outra. A sensação de impotência, aliada a de dependência, torna as pessoas mais desgastadas emocionalmente, empurrando ainda mais sua auto-estima para baixo. A sensação descrita por algumas pessoas é a de queda livre de um penhasco, onde a morte é simbolizada pela perda de controle sobre si mesmo, fragmentando e aniquilando o eu interior.

Existe atualmente uma multiplicidade de tratamentos oferecidos aos portadores de depressão, denotando-se a visão holística ao se olhar para o paciente, que vão desde as terapias químicas e psicoterapias até as alternativas pouco ortodoxas e de eficácia questionável do ponto de vista mormente científico. Apesar disso, o paciente que vê sua vida enlutada, como se todas as horas fossem noites de trevas, busca uma luz no fim do túnel que possa devolver-lhe a sanidade perdida, não obstante a mera diminuição dos sintomas apresentados já lhe seriam de grande valia. Fatualmente é necessário levar-se em consideração que todas as alternativas são válidas, muito mais o conjunto delas, pois o paciente necessita urgentemente recuperar a si mesmo dentro de seus próprios padrões de normalidade; numa visão holística em que os fatores biológicos, psicológicos, sociais e espirituais sejam preponderantes dentro do tratamento oferecido. As alternativas terapêuticas são necessárias, bem como a inserção da terapia química, visando a melhoria da química cerebral (por meio de seus neurotransmissores) e reequilibrando o aparelho psíquico, tornando a aceitação dos tratamentos mais consistente, com melhoria da qualidade de vida; lembrando sempre a importância do tratamento multiprofissional. Assim como a intervenção medicamentosa é importante a bem do funcionamento neurológico, o acompanhamento em psicoterapia se faz necessário, pois contribui na formação de um novo modelo de convivência ao paciente, que necessitará dele para as recidivas certeiras, numa espécie de mecanismo de auto-proteção desejável, contribuindo, inclusive, a evitar prováveis tentativas de suicídio.

“Eu tenciono te levar comigo; guiar-te-ei na região do eterno sofrimento. Ali, ouvindo gritos lancinantes, verás almas antigas, na amargura suplicar segunda morte em altos brados.”, relata Dante em A Divina Comédia. Há que se levar, sempre, em consideração a iminência do suicídio – segunda morte, tomando-se como primeira a psíquica – pois a falência psíquica poderá levar a tal ato, embora a casuística demonstre certo decréscimo na ocorrência em pacientes com acompanhamento medicamentoso e psicológico. Neste quesito é bom sempre evidenciar a necessidade de terapia química em qualquer nível de depressão, por mais adversas que possam ser as reações frente a seu uso, sintomas importantes podem ser aliviados sob tal intervenção, bem como as psicoterapias, ou terapias da fala.

Dentro do leque de alternativas para o tratamento, é importante o despertar das crenças do paciente deprimido, sendo observadas alterações significativas de humor quando são levadas em consideração as reais crenças, principalmente as religiosas. É para nós relevante perceber o quanto as crenças do paciente em tratamento favorecem a dispersão de sua atenção no tocante a continuidade dos cuidados, observando que algumas religiões preconizam o abandono do tratamento, principalmente os da ordem de transtornos mentais e de comportamento, atribuindo a tal disfunção fatores externos ao indivíduo, levando o paciente a uma recusa do tratamento proposto. Em tais casos a observação e a pontuação destas atitudes torna-se premente, sob pena de recidivas cada vez mais densas e difíceis de serem recuperadas. A recuperação de um paciente depende, quase que integralmente, do menor tempo que estiver imerso na intensidade de emoções e sentimentos de sofrimento.

Existe um sem número de alternativas no tratamento da depressão que vão desde os tratamentos mais ortodoxos aos mais esdrúxulos, mas é importante perceber que se está diante de uma doença e como tal de significado e seriedade muito mais complexa do que pode ser olhada por algumas pessoas menos avisadas. Em se tratando de uma doença cíclica, pode-se creditar alguma melhora eventual na condição geral do paciente a qualquer intervenção, mas é necessário critério na escolha do tratamento. A associação medicina, por meio da terapia química, e psicologia, com as chamadas terapias da fala e psicoterapias, ainda são as alternativas mais eficazes, podendo a elas serem acrescidos outros tratamentos complementares, mas não ao contrário. No tratamento da depressão, assim como em outras patologias, é necessário deixar o curandeirismo de lado e procurar profissionais habilitados e capacitados, pois eles poderão diagnosticar com precisão, adotando as melhores condutas e formas de intervenção.

(texto por mim escrito em 2004 e revisado em 2009 para discussão sobre o tema em aula na FSP - Avaré, onde sou docente)