segunda-feira, 16 de novembro de 2009

CARTAS ENTRE AMIGOS


Não entendo a tristeza como ausência de felicidade.
Acho que elas coexistem. Somos felizes e tristes. Felizes
porque tentamos entender a nossa missão. Tristes porque
assim tem de ser. A tristeza nos empresta respeito ao outro e
percepção mais aguçada da dor. Talvez tristeza seja ausência
de alegria, de riso fácil, não de felicidade.
Hoje é véspera de um outro dia qualquer e eu estou triste.
Acordei com saudade do meu pai. Tantas coisas aconteceram
em minha vida depois que ele se foi. Meu pai. Quando eu escrevi
a sua história como um presente em seu aniversário de 80 anos,
não tive dúvidas quanto ao título: Memórias de um Homem
Bom. Sua simplicidade falava-me de um Deus que mora na
ternura e que acolhe. Sua sabedoria falava-me de um Deus que
não julga, mas compreende; que não afasta, mas ama. Seu olhar
permitia-me viajar por aventuras ora corretas, ora necessárias
para a minha curiosidade. Caí algumas vezes. Mas eu sabia que
ele estava ali para qualquer arranhão mais doloroso. Ele não
está mais aqui comigo. Está em mim, porque trago muito do
que ele deixou. Mas não me abraça. Não sorri para mim. Não
me diz coisas que cicatrizem as minhas feridas. Tenho saudade
do meu pai, padre. Do seu colo, das suas cantigas amadoras, das
histórias recontadas de uma vida marcada pela dor. Meu pai
sofreu muito. E sem lamúrias. Minha fortaleza partiu para junto
de Deus. Eu entendo que estamos aqui de passagem. Tenho fé
de que há um outro porvir, um lindo céu, que nos aguarda, mas
isso não retira de mim a saudade que dói.

(trecho do livro "Cartas entre Amigos" de Gabriel Chalita e Padre Fábio de Melo)

Adorei ter entrado em contato com esta obra de grande espiritualidade e ensinamentos sobre a vida contemporânea, a vida é isso mesmo, um conjunto de fatos envolto em emoções sadias, doentias, mas sempre emoções precedidas de fatos. Precisamos entender qual o propósito de estar vivo, posto que todos estamos de passagem.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

SUS - 20 ANOS


Modelos de Atenção

Os modelos de atenção, propostos em nosso país, seguem normatização estabelecida a partir de novos rumos, paradigmas e olhares substitutivos aos modelos arcaicos e centralizados na hospitalização, baseados na saúde curativa. Importante, nesta reflexão, ressaltar que tal modelo contextualizado segue diretrizes históricas construído tijolo a tijolo na luta de tantos operários da saúde em nosso país.

A longa viagem de construção, apenas citando aspectos mais recentes, inicia-se na Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde (1978), donde surge a Declaração de Alma-Ata, marco inicial da ruptura dos modelos arcaicos e translado para novos horizontes. Até a Conferência de Alma-Ata, modelos de atenção à saúde eram centrados em hospitais e na alta complexidade, ficando a atenção básica para segundo plano.

Somente com o início da municipalização dos serviços de saúde, nos anos 80, é que este modelo começa a ser alterado. O grande avanço deu-se, em nosso país, a partir da promulgação da constituição de 1988, batizada por Ulisses Guimarães de “Constituição Cidadã”, pois incorporou o compromisso com a dignidade da pessoa humana, bem como incorpora as grandes conquistas do bem estar. Assim sendo, iniciava-se o processo em que o protagonismo cidadão marca esta passagem histórica, oferecendo direitos aos trabalhadores, aos pobres, às minorias, aos mais fragilizados, ingressando toda a sociedade na senda da justiça social e dos valores de atenção. A atenção básica entrava, a partir de então, na agenda dos gestores dos municípios, denotando avanços progressivos das redes de atenção básica.

Sob esta égide nascia, há 20 anos o SUS, mais uma conquista da constituição cidadã de 1988, que têm como objeto fundamental a universalidade, a integralidade, a equidade, a descentralização e a hierarquização.

Modelos de atenção “têm sido definidos como combinações tecnológicas utilizadas pela organização dos serviços de saúde em determinados espaços-populações, incluindo ações sobre o ambiente, grupos populacionais, equipamentos comunitários e usuários de diferentes unidades prestadoras de serviços de saúde com distinta complexidade (postos, centros de saúde, hospitais, etc.)” (Paim, J. S.).

O olhar, desta forma, é direcionado a reunir os aspectos tecnológicos, os avanços das tecnologias, as novas formas de pensar os recursos humanos, oferecendo atendimento diferenciado, beirando o individualizado até certo ponto, promovendo o bem-estar da coletividade.

Reflexões em torno de modelos de atenção, precisam levar em consideração a trajetória sócio-histórica pela qual passou toda a reestruturação do sistema de saúde. Atualmente, como afirma Paim, oscilamos entre o modelo médico-assistencial privatista e o modelo assistencial sanitarista. Independente de qualquer questão, há necessidade de reconhecer-se a falência deste sistema para assumir-se a evolução proposta quando da implantação do SUS.

As demandas e solicitações de universalidade e integralidade propostas pelo SUS ampliaram-se e o momento é de refletir sobre a equidade, posto que as verdades do modelo instituído caem por terra e um novo modelo de atenção precisa ser instituído em substituição ao modelo assistencial simples.

Questões de promoção à saúde precisam estar a baila, deixando de lado o mal necessário obtido por meio de campanhas, pois criam retrocessos às políticas de saúde e humanização.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

De Salomé a Salomão, um retrato do amor em meu viver, crônica de um pensar em amor – por pura inspiração



Li, certa vez, um texto de Lou-Andreas Salomé, denominado “hino à morte”, ao qual sempre me refiro e lembro.


No dia em que eu estiver no meu leito de morte

Faísca que se apagou -,

Acaricia ainda uma vez meus cabelos

Com tua mão bem-amada

Antes que devolvam à terra

O que deve voltar à terra,

Pousa sobre minha boca que amaste

Ainda um beijo.

Mas não esqueças: no esquife estrangeiro

Eu só repouso em aparência

Porque em ti minha vida se refugiou

E agora sou toda tua.

Isso me faz refletir nas agruras do amor – e da morte. Lou-Andreas Salomé, nascera Louise von Salomé em San Petesburgo, era daquelas mulheres que encantava a todos. Filósofos, intelectuais, artistas, ou como lhe escrevera Freud um dia “você tem um olhar como se fosse Natal”. Fez, Lou Salomé, viva e apaixonada. Apaixonante viveu e apaixonou. Deixando-nos lições de amor.

Amando, sinto, morremos para a vida terrena e passamos a viver sob verdades absolutas de um firmamento existente somente no coração daquele que ama, de contentamento cheio de parcialidade e lirismo. A morte de tudo quanto acreditamos se consolida em nossas certezas, fazendo-as cair por terra. Vivemos. Simplesmente vivemos. Vivemos uma vida diferente e estranha, mas na morte de tudo quanto acreditamos é que buscamos por meio do amor e do amar novas verdades.

Verdades como a coerência. Verdades como a alegria. Verdades como a própria verdade, que nos invade e nos torna inteiros. Assim é amar, em minha reflexão simbólica de morte. Morremos, sim, morremos para crenças desacreditadas. Morremos para certezas incertas. Moremos para vidas sem vida.

Quem ama sabe que o olhar é como se Natal fosse todo dia. Quem ama sabe da existência da mais pura verdade de coração entremeado de alma. Entre silêncios e palavras há questões não ditas, porém entendidas entre os que amam. Amantes, dizem alguns autores dos que amam.

Encontrar o amor, em verdade, é ter o encontro com a morte do que fomos, sem amar, ou amor. Bom falar de amor, nos faz leves, em que pese o peso do amar com profundidade que, como tudo, tem seu preço. Em que pese o preço de amar em profundidade, posto que não há amor se não houver profundidade, a vida percorre cada entranha de nosso ser ao amarmos na certeza de nossas escolhas.

Escolhas. E o que são escolhas, se não o decretar a morte de certezas que não mais existem? Certezas que dão lugar a lugares de diferentes cores. Se há cor, há vida nova, como se a primavera enchesse-nos de flores e vida. Vida, princípio da morte.

Falar de amor, deixando de lado a morte, é falar de vida que engrandece o menor dos corações. Amor, que mesmo nas partidas, se vai junto ao peito e se esvai no peito. Amor de amantes e cheiros, de corpos e peles, de sensação e emoção. Pura emoção.

A certeza do amor em Salomé me faz crer, em possibilidades reais, na verdade da entrega e da busca, até um final, mesmo que não o saibamos. Amar faz cicatrizes em nosso peito e ser. Cicatrizes lembradas, dignamente, de momentos vívidos vividos, cicatrizes encontráveis. Cicatrizes como terceiras pernas, dito por Clarice Lispector em seu “A paixão”.

Perdi alguma coisa que me era essencial, e que já não me é mais. Não me é necessária, assim como se eu tivesse perdido uma terceira perna que até então me impossibilitava de andar, mas que fazia de mim um tripé estável. Essa terceira perna eu perdi. E voltei a ser uma pessoa que nunca fui. Voltei a ter o que nunca tive: apenas as duas pernas. Sei que somente com duas pernas é que posso caminhar. Mas a ausência inútil da terceira me faz falta e me assusta, era ela que fazia de mim uma coisa encontrável por mim mesma, e sem sequer precisar me procurar.

Peguei-me a pensar e questionar-me. Por que escrever sobre o amor, se tantos já o fizeram? Talvez pela certeza de que amar é ímpar, em qualquer um. Amar é inigualável e escrevê-lo, tanto quanto descrevê-lo, passa a ser infinitamente diferente, numa mescla de ocorrido, pensado, escrito e vivido.

Amar não é uma resposta, mas gera infindáveis perguntas de infindáveis respostas. Lugar comum dizer do amor em transformação, mas necessário dize-lo. Amor transforma. Enquanto não amamos nos encontramos, ao menos pensamos ser encontráveis. Amor desestabiliza e nos conduz à estabilidade, posto que amar é controverso, porém unidirecional. Olhamos para um mesmo lado, isto é amar.

Escrever sobre o amor e o amar como cartas de amor ridículas “mas, afinal, só as criaturas que nunca escreveram cartas de amor é que são ridículas”, como disse Pessoa em seu Álvaro de Campos, o ridículo é não amar e, por conseguinte, não escrever sobre o amor.

Bom de amar é a leveza com a qual nos deparamos nos instantes mais ínfimos e íntimos de nossos dias. Amar todas às vezes como se fosse a última, na construção divina de amar sem preconceito nem conceito de nada, apenas amar, amor não tem conceito. “Existe muita loucura no amor, mas também existe muita razão na loucura”, ensinou Nietzsche.

E por que falar de Lou Salomé, em se tratar de amor? Porque a paixão de amar foi a tônica de vida de sua vida vivida entre amores e paixões de amor. Entre vidas e mortes de amores perdidos e escondidos. Porque vivemos de amores escondidos de nós mesmos, mas precisamos de liberdade de ser para amar, e amar na liberdade do ser. Porque amo com liberdade, mas precisei decretar a morte daquilo que me era uma terceira perna, arrancando de mim um membro inerte, para olhar novamente para mim inteiro, não um alijado de mim mesmo. Inteiro afinal. Amante e amado, em essência e consonância comigo mesmo.

Por que não falar de amor, se amo em verdade? Por que? A vida que não é examinada, não vale a pena ser vivida, decretou Sócrates, determinando a exatidão de examinarmos nossas vidas, fazendo valer a pena viver no amor e amar em vida. A vida, de quem ama, é contada em verso e prosa, da própria prosa de nossos versos interiores, em cores luminosas, fulgurantes.

Amar por decreto, por determinação. Por decreto e determinação na cristandade existente em cada um de nós, filhos que somos de um Deus de amor, ensinante de amor em seu filho enviado na disseminação do amor. A arte de amar na determinação de vida, divina vida, decretada e deitada em verso e prosa; prosa que o verso mostra em sapiência dos amores vividos vívidos nas lembranças. Amores que em cicatrizes nos fazem exultantes de amar a quem nos permite a liberdade de amar com amor.

Quando penso em meu amor, minha amada, me sinto invadido de Salomão, o rei, em seus cânticos a dizer que Teus lábios são como um fio de púrpura, e graciosa é tua boca. Tua face é como um pedaço de romã debaixo do teu véu; Teus lábios, ó esposa, destilam o mel; há mel e leite sob a tua língua. Aprendemos amar, amando, na admiração narcísica de nós mesmos, posto que nos encontros com o outro amado é que nos encontramos em nossas entranhas, por vezes estranhas. Na beleza de amar, na inconsciência de nós mesmos despertamos, por sermos despertados em olhar, mesmo sem nos darmos conta.

Difícil se torna a arte da escrita de amor, se não amamos. Hoje posso dizer que a escrita flui na arte de deitar em linhas tão somente fatos vívidos vividos neste amar presente, em que pese o futuro de nossas ações construídas tijolo a tijolo em nossos dias, mesmo em tempestades, que prenunciam bonanças em que possamos avistar as cores de um arco-íris que liga os potes de ouro em cada um de nossos corações.

Por que falar de amor, quando tantos já o fizeram? Porque amo e sou amado, na gentileza da vida que me propus a viver, em proposta mutua de vida, pactuada num ritual de bênçãos entre seres amados, nascido na manjedoura encravada no seio da família que me acolheu como a um presente em presença e espírito.

Assim, reconto a vida de amor, de meu presente, de presente, rumo ao futuro presente em minha expectativa de viver. - Levanta-te, vento do norte, vem tu, vento do sul. Sopra no meu jardim para que se espalhem os meus perfumes. Entre meu amado no seu jardim, prove-lhe os frutos deliciosos, mais uma vez num imperativo de Salomão, em que obedecemos por amar. E amo. E a amo.